Filosofia & Lógica = Deus Existe - Parte 2


Sêneca (4a.C - 65 d.C) foi um filósofo romano estóico, que foi um dos principais conselheiros do imperador Nero, até que este mandou-lhe serrar os pulsos. Sêneca não conheceu o cristianismo, nem a Bíblia (apesar de alguns afirmarem que ele conheceu pessoalmente o apóstolo Paulo e incorporou muitos pensamentos cristãos ao estoicismo. Já outros afirmam que não, que não há provas claras disso, e que sua teoria, inclusive o cristianismo, são originadas do platonismo). Mas dedicou-se a filosofia, a estudar e analisar os pensamentos de muitos filósofos, observar o mundo e refletir muito sobre tal. Tornando-se um dos maiores simbolos do estoicismo.

Aqui destaco alguns trechos de sua carta LXV para Lucílio; no qual ele busca compreender a Origem, a Razão de todas as coisas, a causa primária.

A concepção de uma divindade criadora

“… Esses modelos universais pertencem ao princípio divino que pelo pensamento abarca todas as criaturas de quaisquer naturezas, e que está repleto das imagens definidas por Platão como imortais, imutáveis e inalteráveis. Assim sendo, os homens morrem, mas a humanidade em si, o “molde” do homem, perdura e não passa por nenhum sofrimento, ao passo que o homem sofre e morre. ... Para uma estátua a substância é o bronze; o artesão é o escultor; a forma é a figura que é dada à estátua; o modelo é o que o escultor reproduz; o fim é o que motiva a criação; o resultado de tudo isso é a própria estátua. “Todas essas causas, diz ainda Platão, estão no universo: o artesão é o princípio divino; a substância é a matéria; a forma é o estado e a ordem do mundo que vemos; o modelo é o que inspira o divino para dar à sua obra essa grandeza e essa beleza suprema; o fim é o que ele visa, ao criar a obra.” Tu me perguntas qual é esse fim? A bondade. Por que a divindade criou o mundo? Diz Platão; “Porque ele é boa. Ora, um ser bom só pode fazer algo bom: é por isso que ele fez o mundo o melhor possível.””

Aspectos fundamentais, a essência dessa origem criadora

“... Essa multidão de causas colocada por Aristóteles e Platão compreende ou muitíssimo ou pouquíssimos elementos. Se eles chamam de causa tudo o que, ausente, torna impossível a criação de um objeto, é pouquíssimo. É preciso, entre as causas, incluir o tempo: não se pode fazer nada sem ele; e também o espaço: se não houver lugar, não haverá realização; enfim, o movimento, sem o qual nada nasce nem morre: sem movimento, não há nem objeto de arte nem mudança de estado. Mas na verdade é a causa primeira e universal que nós buscamos: ela deve ser simples, pois a matéria também é simples. Buscamos a causa, ou seja, a inteligência criadora. Vós não ofereceis, filósofos, na vossa enumeração, causas múltiplas e distintas; todas dependem de uma só: a que está na origem da criação. Dizem que a forma é uma causa? Mas ela é dada à obra pelo artista: é uma parte da causa, e não uma causa. ... Há ainda mil outras! [causas] Mas o que procuramos é a causa mais geral. ... há uma grande diferença entre a obra e a sua causa!”

Qual é a importância de se conhecer e investigar essa questão da causa primária [Origem]?

“... No que me tange, eu me consagro em primeiro lugar ao que pode apaziguar a minha lama: examino primeiro a mim, e depois o universo. E contrariamente ao que tu pensas, não perco o meu tempo! Todas essas análises, na verdade, contanto que não façam arrancar os cabelos ou perder-se em vãs sutilezas, elevam e aliviam a alma, que , oprimida por um pesado fardo, deseja dele libertar-se e voltar às suas origens. O nosso corpo é para a alma um peso que lhe é imposto: ele a esmaga, a mantém em ferros, quando a filosofia não vem socorrê-la para fazê-la contemplar o espetáculo da natureza e conduzi-la da terra ao céu. Eis para ela o meio de se libertar, o meio de escapar: às vezes, ela foge da prisão em que está fechada e reencontra a santidade no Céu. ... sempre que pode, procura o ar livre e descansa na contemplação da natureza.”

A liberdade de poder procurar a origem. E as implicações que isso carrega para o ser.

“... Queres proibir-me de contemplar a natureza e privar-me do todo para que eu fique reduzido a uma parte? Não poderia eu procurar o começo do universo? Quem criou a natureza? Quem distinguiu todos os elementos até então misturados numa massa única e mergulhados numa matéria inerte? Quem é o arquiteto do mundo? De que maneira tamanha imensidão encontrou uma lei e uma ordem? Quem juntou o que estava esparso, ordenou o que estava confuso, atribuiu uma figura ao que não tinha nenhuma forma? De onde vem uma luz tão viva? É o fogo ou uma substância ainda mais brilhante? Não poderia eu fazer-me tais perguntas? Deveria ignorar a origem da minha existência? Devo ver este mundo apenas uma vez ou renascer várias outras? Para onde irei depois? Que morada espera a minha alma, quando esta se libertar das leis da servidão humana? Tu me proíbes a estada celeste, o que me faz viver novamente de cabeça baixa? Eu e o meu destino somos grandes demais para que eu me torne escravo do corpo, que não passa de um entrave à minha liberdade. É ele que eu oponho à Fortuna para que esta nele se detenha. É por ele que me defendo dos ferimentos. Tudo o que em mim pode sofrer afrontas é ele. Nessa morada sujeita a todos os ultrajes, a minha alma vive livre. Nunca essa carne vil me forçará a ter medo, nem a dar provas de uma hipocrisia indigna de um homem de bem; nunca mentirei para agradar esse miserável corpo. ... O desprezo do próprio corpo é a liberdade garantida.”

A negação do acaso. E a irracionalidade do medo.

“... Claro está que o universo resulta da matéria e do divino; é o princípio divino que regra, dirige e submete à sua lei os elementos espalhados à sua volta. As suas obras são mais poderosas e importantes, porque ele é divino, do que a obra da matéria, que lhe está submetida. O lugar que ele ocupa no mundo é o da alma no homem: a matéria corresponde ao que é o corpo para nós. Portanto, é preciso que o inferior obedeça ao superior. Sejamos corajosos face aos acidentes: não tremamos diante das injustiças, ferimentos, correntes, pobreza. A morte é ou um termo ou uma passagem. Não temo nenhum dos dois: findar ou não ter começado é a mesma coisa; que importância tem passar para alhures, uma vez que em nenhum lugares estarei tão apertado! Adeus.”

Carta LXV, Opiniões de Platão, de Aristóteles e dos estóicos sobre a causa primária


Primeiro ponto importante a se considerar nesse pensamento:
1. Sêneca não era cristão; tampouco, provavelmente, conhece o relato bíblico da criação, muito menos o evolucionismo de Darwin. Ou a relatividade de Einstein ou o BigBang de Lemaître.

Logo, podemos ter a absoluta certeza de imparcialidade nesse atual questionamento que se há entre as frentes naturalista e cristã (principalmente); de um lado o ceticismo, darwinismo e até mesmo ateismo e do outro o criacionismo e o teísmo. Sêneca não está jogando em nenhum desses dois grupos.

O texto deixa evidente que desde épocas antigas, já se havia esse questionamento, e não só com Sêneca, mas como alguns filósofos cristãos, no caso, Platão e Aristóteles que retomam a séculos antes de Cristo. E então sem nenhum conhecimento do que podemos atrabuir como "conhecimento cientifico", eles consideram:

O "EXISTIR" possui uma "causa primária".

Se formos traduzir podemos então pensar como mesmo se o Universo, ou o todo, ou alguma coisa, existiu; se o tempo e o espaço existe. Então há uma "causa primária" que lhe antecede. Nem que essa causa seja simplesmente a própria necessidade de sua existência, porque existe.

Bem, a teoria de Einstein levou a cientistas considerarem que o Universo teve "um inicio". Ou seja, apenas nas últimas décadas, cientificamente se tem um forte paradigma que o Universo teve um inicio, passou a existir. Contudo, a argumentação de Sêneca não necessita disso, tanto faz se o Universo passou a existir (teve ou inicio) ou não. Há uma coexistência; pois tu é resultado da "causa primária" = "principio divino".

Logo, não há como fugir dessa questão 100% metafisica. E que filósofos da antiguidade já haviam pensado. Não há como fugir da "causa primária".

Porém, infelizmente, os "ateus" (vamos assim dizer), em geral, apenas vão até onde lhes convem. Não vão até a causa primária, mas de uma derivada sua. A qual, muitos atribuem ser o BigBang. Então se o tempo, espaço e energia passaram a existir a partir do BigBang; tal já é, em si a própria causa primária. E essa causa, não passa de um "acaso".

Bem, Sêneca, sem dar-se o trabalho de explicar-se, diz que esse principio ativo está ou é um autor, um criador; logicamente, um ser divino, eterno, imutável, por si sendo a própria existência, independe do tempo, espaço e energia (vamos adaptando para nossos dias). O que convém muito a idéia Biblia de que "No principio era Deus" e "o verbo estava com Deus", e "o verbo era Deus". E ainda considera, segundo Platão, que a própria bondade é o motivo pelo qual tal criador criou.

Em primeira instância Sêneca não diz, não caracteriza, especialmente essa divindade. Não o coloca como as divindades pagãs que dominvam o pensamento de sua cultura e período, como Jupter. Mas no decorrer, implicitamente começa a defini-lo. Quando questiona a sua liberdade de poder questionar e pensar nessas coisas, em algo ele já deixa claro: "É isso principio básico que irá reger, guiar e suster o nosso ser, pelo menos, no ambito moral." Além disso, se for analisar e estudar toda a obra de Sêneca, e o pensamento estóico que é moral, tão quão a Bíblia. Se reconhece claramente: Sem esse "principio divino", sem essa "causa primária" não há qualquer sustenção para a moralidade e a ética.

Por que? Bem, não é de meu interesse entrar em detalhes quanto a isso. Mas na carta LXVI ele aborda a questão da virtude; considerando que todos os bens são iguais assim como todas as virtudes. Aplicando implicitamente tudo isto para este princípio divino:
"Os verdadeiros bens têm o mesmo peso, o mesmo volume; os falsos são invólucros vazios: têm bela aparência quando os vemos, mas quando pesamos, que decepção!
... tudo o que se faz sob a égide da verdadeira Razão é sólido e eterno; a nossa alma então se fortalece e se alça a alturas onde ficará para sempre. O que a massa chama de bens incha o coração com uma alegria ilusória.
Só a Razão é igual à Razão, o Bem ao Bem. Por conseguinte, a virtude é igual à virtude, já que não é nada mais do que a reta Razão. Todas as virtudes são manifestações da Razão: nisto, elas são retas, e se são retas, são iguais entre si.
... os sentidos não podem ser juízes. ... Portanto, a Razão é o árbitro do bem e do mal. ... pois não há bem fora da Razão: ora a Razão segue sempre a natureza. Portanto o que é a Razão? A imitação da natureza. E o que é o soberano bem para um homem? Conformar-se às vontades da natureza."

Ao estudar a bem a obra de Sêneca observamos que aquilo que ele chamaria de natureza, na verdade é essa unidade básica, essencial, primária, eterna, imutável, perfeita; a qual caracteriza perfeita a idéia desse princípio divino, desse criador. Se Sêneca conhecesse o cristianismo, provavelmente, ele diria que conformar-se às vontades da natureza é conformar-se com a vontade de Deus.

É nisso que é fundamentado a virtude, assim sendo, a ética e a moral; assim, como a razão por superar desafios, desprezar o corpo, não temer o sofrimento e a morte.

Logo, se negar a "causa primária", o "principio divino" considerando-os falsos, então não há fundamento algum para a ética, a moral e a virtude, tudo não passa de uma mentira um engano.

É basicamente nisso que se baseia a idéia de Sêneca a respeito da causa primária.

É bom relembrar que Sêneca não está falando de teorias, não está falando de evolução ou criacionismo, ou de BigBang, ou de qualquer idéia teória cientifica. Ele apenas está explanando pela filosofia a "causa primária" algo que antecede, é superior, e ainda mais elementar do que todos esses objetos da existência.

Então, o ateísmo não tem que lutar contra os cristãos, ou contra os criacionistas, ou contra os evolucionistas atuais; ou os religiosos e por aí vai. Mas também contra os estóicos, contra Platão entre outros. Que pela lógica, pela filosofia, claro, que por uma idéia, em grande parte, parmenica (da não contradição) de que há uma causa primária criadora, reconhecido como um principio divino, e que é metafisico (isto é, vai além do tempo, espaço e energia). Contudo, Sêneca não nega também a outra corrente, o Heráclico, o movimento; porém, em poucas palavras mostra que para a existência do movimento é preciso de tempo e espaço, mas o principio divino, o mais elementar, a causa primária antecede ao movimento. Pois se o movimento é o objeto ou a coisa que existe, então o existir em si, passa a se tornar o inicio da conversa, e que para tal, é preciso desse principio divino.

Veja também:
Parte 1
Parte 2
Parte 3
Parte 4

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